Do G1
Quando tinha 17 anos de idade, Alice (nome fictício) foi demitida de seu emprego em uma central de atendimento telefônico.
Em casa, o ambiente era difícil. Ela não tinha um currículo e suas opções de emprego eram poucas.
Uma amiga havia se envolvido em trabalho sexual e ganhava “muito dinheiro”. Por isso, Alice decidiu trilhar um caminho parecido.
Agora na casa dos 30 anos, ela ainda está trabalhando com isso, apesar de dividir essa rotina com outras oportunidades de emprego.
Mas Alice acredita que uma possível mudança na legislação da Escócia pode deixá-la “terrivelmente” insegura.
A parlamentar escocesa Ash Regan está apresentando um projeto de lei para criminalizar o pagamento por serviços sexuais. A proposta segue o chamado “modelo nórdico”.
Regan é ex-candidata à liderança do Partido Nacional Escocês. Ela defende que confrontar a demanda dos homens pela prostituição ajudará a proteger as mulheres.
Para a parlamentar, “comprar acesso sexual de um ser humano é uma forma de violência masculina”. Por isso, ela está determinada a fazer com que a lei seja alterada.
Atualmente, o pagamento por sexo não é ilegal na Escócia. Mas algumas atividades correlacionadas são, como administrar bordéis, circular em locais públicos para comprar ou vender sexo ou convencer alguém a praticar a prostituição.
Também no Brasil, não é ilegal se prostituir de forma autônoma ou pagar por sexo, quando este envolve maiores de idade. Inclusive, a prostituição é reconhecida pelo Ministério do Trabalho como uma ocupação profisisonal. Entretanto, é crime explorar o trabalho sexual de terceiros (cafetinagem) ou promover essa atividade de forma organizada — em bordéis, por exemplo.
Regan deseja que as mulheres que se prostituem na Escócia recebam “alternativas de saída” e o direito legal à assistência. Além disso, ela propõe a revogação de eventuais condenações anteriores por atos relacionados à prostituição.
Mas suas propostas dividem as pessoas que desejam garantir a segurança das profissionais do sexo.
Alice explica que a internet mudou o cenário do que ela chama de “profissionais do sexo em serviço integral” (que trocam sexo por dinheiro).
Ela conta que, agora, as pessoas que vendem sexo têm mais oportunidades de “selecionar” possíveis clientes.
Elas podem pedir para ver fotos da cédula de identidade de um cliente antes de se encontrar com ele, links para suas redes sociais ou até solicitar referências de outras profissionais do sexo.
Este processo não é 100% seguro, mas pode ajudar a verificar se as pessoas realmente são quem elas afirmam ser.
Alice está preocupada com a possível mudança das leis escocesas, especialmente por questões ligadas a segurança.
Ela defende que “existe uma diferença entre bons e maus clientes”. E teme que, se a compra de sexo passar a ser crime, os “bons clientes” irão desaparecer.
“Você irá ficar apenas com as pessoas que não se preocupam com você, já que não se preocupam em desrespeitar a lei”, afirma.
“Imagino que uma pessoa que infringe a lei provavelmente é perigosa.”
Ela receia que a mudança na legislação possa dificultar a seleção dos clientes. Afinal, alguém que está disposto a comprar sexo ilegalmente provavelmente não irá fornecer seus detalhes pessoais.
Alice desabafa que todos estes fatores combinados farão com que, se a proposta de Ash Regan for aprovada, ela se sinta “terrivelmente” menos segura.
“Meu corpo se tornaria uma cena de crime, certo? Por que eu iria para a polícia? Não procuro a polícia nem mesmo agora”, explica ela.
Alice acredita que aumentar a descriminalização é o que de fato faria com que ela se sentisse mais segura. Esta medida propiciaria maior proteção e permitiria um melhor relacionamento entre ela e a polícia.
Mas a proposta de Regan é oferecer uma saída do trabalho sexual para pessoas como Alice. Será que esta perspectiva a atrai?
Alice é cética a este respeito.
Para ela, a proposta parece trocar o trabalho sexual por um emprego com salário mínimo. Esta mudança, segundo ela, “realmente não altera os motivos por que as pessoas acabam preferindo trabalhos sexuais.”
Ash Regan não está disposta a tolerar o status quo. Ela defende que este é fundamentalmente “um sistema de exploração e violência” que afeta as mulheres mais vulneráveis da sociedade.
A parlamentar define seu projeto de lei como “abandono da prática fracassada de descriminalizar o comércio sexual, sem abordar a causa e as consequências da transformação dos seres humanos em mercadorias: a demanda”.
A forma mais eficaz de resolver a questão, segundo ela, é criminalizar as pessoas que pagam por sexo.
“Precisamos deslocar a balança da criminalidade em direção àqueles que perpetuam este sistema de desigualdade e violência, que são os compradores. E os compradores são, quase sempre, homens”, declarou Regan ao programa de rádio Good Morning Scotland, da BBC.
“Os dados demonstram que, se você implementar e executar esta lei, ela irá reduzir o mercado da prostituição, o que fará com que menos mulheres sejam prejudicadas.”
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